No banquinho do pensador (ou do cantor, sei lá…)

Sexta-feira, 24 de abril de 2020 (520 anos e 2 dias depois do descobrimento do Brasil – e haja descobertas)

“Se você pode colocar seus sentimentos no papel, às vezes eles se tornam canções. Outros se tornarão histórias. Você nunca sabe onde eles podem levá-lo.”

Foi isso que Jon Bon Jovi falou numa aulinha virtual de música para uma turminha de crianças de 5 e 6 anos de idade. A iniciativa fez parte de um projeto dele para compor a música Do What You Can, no qual ele pede aos fãs no mundo inteiro que colaborem, contando como estão vivendo a quarentena. Ou algo assim. Na pequena aula, conversando e tocando violão, ele ajudou as crianças a fazerem uma canção sobre o que tem sido, para elas, não ir à escola durante a quarentena.

A crônica de hoje já estava pronta e começaria exatamente assim, mas ontem um dos meus irmãos me enviou um texto autoral que achei mais relevante neste momento. Escrever é sempre um exercício bom, e mesmo que não virem canções, as palavras às vezes vão parar onde precisam ser ouvidas. O espaço é dele hoje.

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NOSSA SIGNIFICÂNCIA

Por José Luiz Borges Formiga Junior

Impressionante o impacto dessa pandemia em todos nós. Tanto já se falou, tanto já se escreveu e o tema é inacreditavelmente inesgotável.

Comecei a imaginar o quanto somos tão necessários ou valorizados, quanto inúteis ou dispensáveis ao mesmo tempo. Sentimos, mais do que nunca, uma necessidade imensa da presença dos que amamos e convivemos, mas mesmo assim costumávamos passar os dias isoladamente sem cada um ou com alguns deles, embora não prestando muita atenção nisso. Muita gente vai achar insensível de minha parte, mas essa é a verdade. Dia após dia, depois de entrarmos num Universo de excesso extremo de comunicação virtual, estamos vivenciando uma nova era, passando por uma readaptação em busca da comunicação verdadeira. O simples fato de saber que não podemos ou não devemos ir a algum lugar, bem como não podemos ou devemos estar com alguém que gostaríamos já nos inquieta a ponto de querermos estar ali, estar com aquela pessoa, mesmo que nem valorizássemos tanto isso antes. Convivíamos com nossos entes queridos, amigos, colegas de trabalho, conhecidos com quem topamos eventualmente, pessoas de lugares que freqüentamos, enfim, cada um na medida em que pensávamos ser suficiente e satisfatória a convivência.

Aí surge um entrave, um vírus demasiadamente oportunista e seletivo, indiscriminadamente a sua maneira, de origem natural ou não, isso não vem ao caso, mas de efeitos devastadores, que nos isola e coloca em jogo todas as nossas crenças.

Passamos a ter que cumprimentar os outros a distância, ou até mesmo recusar um aperto de mão ou um abraço. Nunca a necessidade de contato foi tão importante, embora estivéssemos cada vez mais displicentes em relação a isso.

Começamos a questionar tudo, se realmente estávamos suficientemente presentes nas vidas das pessoas com quem nos relacionamos no cotidiano, ou elas nas nossas. Como ficarão as coisas daqui pra frente? Quando vou poder ir? Quando vou poder estar com? Será que eu fazia o quanto poderia? Será que faziam o quanto poderiam?

Nessa análise, dúvidas e incertezas se tornam atores principais, o que denota a nossa pouca fé e não digo apenas no sentido estritamente religioso, mas no sentido de otimismo, de positividade.

Creio que estávamos, por assim dizer, “na banguela”, ou seja, “a vida como ela é” tava ótima, boa demais. Vivíamos no automático.

Começamos a valorizar, questionar e enxergar de fato nossas ações e comportamentos em busca de uma satisfação para as inquietações agora crescentes.

O fato é que, embora vivêssemos um frenesi de comunicação, essa na sua maioria me parece que não era de fato realmente notada por nós. Hoje contamos os minutos para que alguém nos chame, ou para chamar alguém, tudo isso para nos sentirmos necessários ou fazer alguém se sentir assim, ou suprir nossas necessidades ou aplacar as necessidades de outrem.

É incrível poder perceber detalhes, nuances das coisas ou das pessoas, que antes não percebíamos ou víamos apenas superficialmente, ou ainda, nem sequer lembrávamos que existiam. Cada canto de nossas casas hoje é percebido, queremos arrumar e organizar algo que sempre deixávamos pra depois. Passamos a discutir as relações: marido e mulher, pais e filhos, amigos, colegas, etc…

No trabalho, ao contrário de antes, pois nele gastávamos a maior parte do nosso tempo e de forma presencial, estamos a nos comunicar e dividir experiências em tempo real, voltados para a importância da discussão, estudo e compartilhamento de conclusões e experiências mas por meio virtual.

Em casa às vezes já queremos é menos contato, há uma certa overdose, ou percebemos o quanto o contato era pouco e o tanto que é bom tê-lo novamente, seja com os filhos, cônjuges, pais, enfim.

Gente, sem menosprezar as perdas humanas e materiais que estão ocorrendo e ainda irão acontecer nesse período, estamos diante de uma oportunidade única de reinvenção, renascimento. Verdadeiro redesenho de novas formas de se relacionar com os outros e conosco, bem como com o mundo.

E aqui chegamos numa questão bem interessante: O que move a humanidade?

Nesse momento, indubitavelmente é o medo. Medo de perder os outros, medo de nos perder medo de não poder estar mais com alguém ou em algum lugar, medo de chegar a nossa vez, medo da impotência total que significamos em relação ao hoje e ao amanhã.

Engraçado que já cheguei a pensar se não seria melhor encarar logo esse vírus e acabar com essa ansiedade, com essa espera. Mas não. Muitos ainda não estão preparados para esse enfrentamento e talvez inúmeros nunca venham a estar.

Precisamos de imunidade, mas não só física, médica, também espiritual. Devemos aproveitar o momento para uma limpeza, uma espécie de purificação ou até purgação. Quem sabe?

O certo é que devemos acreditar na ciência e esperar que através dela venha solução satisfatória. Enquanto isso temos passar por esse processo tentando sair melhores do que entramos.

2 comentários em “No banquinho do pensador (ou do cantor, sei lá…)

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