Terça-feira, 16 de janeiro de 2018
Existem duas coisas que me fazem sentir o peso da idade de vez em quando. Uma é quando a vida acelera e eu tenho um período de trabalho duro, de gente grande, mesmo, e a música que toca na minha cabeça é o barulho do espremedor de frutas. A outra é quando eu me lembro de algo do tempo em que eu era criança e vejo que isso foi há mais quarenta anos. Quando essas duas coisas se juntam, acaba sobrando para a poesia e nessas horas, o Desiderata está sempre à mão.
No final dos anos 70 e começo dos anos 80, a Embratel tinha, além dos números para utilidade pública, uns para entretenimento, ao preço de uma pequena tarifa. Eu tinha de oito a dez anos na época e me lembro de usar muito dois deles: o disque piada, no qual, se bem me lembro, eram as vozes do Costinha ou do Agildo Ribeiro contando as piadas, e o disque amizade, que abria um bate papo com mais três pessoas e deve ter sido o antepassado mais remoto dos chats, grupos de WhatsApp etc. Mas o que acabou entrando para o meu caderninho azul foi um disque que eu não sei bem o que era, só me lembro que a gente ligava e ouvia uma gravação do Cid Moreira, com aquela voz empostada, solene, falando de maneira bem pausada e com uma música suave e um coro que cantava um refrão, ao fundo. Eu adorava ouvir aquilo! Na época não gravei todas as palavras, mas aquele coro de “você é filho do universo, irmão das estrelas e árvores, você merece estar aqui…” de alguma maneira me fazia bem. E foi assim que – embora eu só fosse descobrir mais tarde – eu conheci o Desiderata. Alguns anos mais tarde, quando o Legião Urbana lançou Há Tempos, achei a parte que fala do cansaço, familiar, mas não completei a lembrança – e nem existia internet naquela época para pesquisar. Só muito tempo depois é que consegui fazer toda a ponte e conhecer e entender, de fato, o poema.
Desidrata, em latim, significa algo como coisas que poderíamos desejar. É um poema sobre paz de espírito, sobre equilíbrio, sobre viver bem… É um poema que acalma, que realmente faz bem… É um poema para uma terça-feira de janeiro, enfim!
Aqui – embora ache que não se deveria traduzí – lo nunca – , em tradução livre.
Desidrata
(Max Ehrmann)
Siga tranqüilamente entre o barulho e a pressa e lembre-se de quanta paz pode haver no silêncio.
Tanto quanto possível, sem humilhar-se, viva em harmonia com as pessoas.
Diga a sua verdade mansa e claramente e escute os outros, mesmo os insensatos e ignorantes; eles também têm sua própria história.
Evite as pessoas barulhentas e agressivas , elas afligem o espírito.
Se você se comparar com os outros, você poderá se tornar presunçoso e amargo, pois sempre vai haver alguém inferior e alguém superior a você.
Desfrute de suas realizações, assim como dos seus planos
Mantenha-se interessado em sua própria carreira, ainda que humilde;
Ela é o que você tem de real na sorte incerta do tempo.
Tenha cautela em seus negócios, pois o mundo está cheio de armadilhas.
Mas não deixe que isto o cegue para a virtude que existe;
Muitas pessoas lutam por ideais elevados
e em todo lugar a vida é cheia de heroísmo.
Seja você mesmo.
Principalmente, não finja afeição.
Nem seja cínico sobre o amor,
pois diante de toda aridez e desencanto
Ele é tão perene quanto a relva
Aceite gentilmente o conselho dos anos,
abdicando graciosamente das coisas da juventude.
Alimente a força do espírito para protegê-lo em súbitos infortúnios.
Mas não se aflija com perigos imaginários.
Muitos temores nascem do cansaço e da solidão.
Além de uma disciplina saudável,
seja gentil consigo mesmo.
Você é um filho do universo,
não menos que as árvores e as estrelas;
Você tem o direito de estar aqui.
E mesmo que não esteja claro para você,
Sem dúvida o universo está evoluindo como deveria.
Portanto esteja em paz com Deus,
qualquer que seja a maneira como você O conceba,
e quaisquer que sejam seus labores e obrigações,
no barulhento tumulto da vida, mantenha sua alma em paz.
Com toda a sua farsa, labuta e sonhos quebrados,
este ainda é um mundo bonito.
Seja alegre.
Esforce-se para ser feliz.
Muito bonito! Só conhecia de nome! Eternamente atual…
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Adorei poder lembrar do “Desiderata”. Estava precisando……..Eternamente atual, Sérgio! Obrigada, Lysia!
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