Uma Ave Maria, a tristeza e o conforto de mãe em azul

Quarta-feira, 12 de dezembro de 2018 (Uma curtinha para hoje, porque o coração está pedindo)

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Ontem nós perdemos, num acidente infeliz e trágico, o neto adolescente de uns vizinhos e amigos. Um menino que conviveu com a gente desde os cinco anos de idade. Seu irmão mais velho é um dos melhores amigos do meu filho e cresceu lá em casa. Nada que se diga no mundo poderá descrever o sofrimento dos pais e da família, nessa hora. Nem consolar, também. Quem tem filho sabe o que passa pela cabeça da gente numa hora dessas. O “poderia ter sido o meu” não deixa o juízo sossegar. Mas a gente nunca deixa de pensar o que pensa durante a vida toda: “Deus não vai deixar acontecer com o meu”. É o pensamento mais cômodo, o que alivia o peso das preocupações que a gente tem com eles desde que os pegamos nos braços pela primeira vez. E a gente sofre pela dor dos outros sem sentí-la de fato, só podendo imaginá-la. Mas, deste momento em diante durante as horas seguintes, aquela sensação de insegurança, de impotência, não dá trégua. A gente tem aquela certeza do que nunca quis admitir: que não se pode evitar tudo. Por mais que se encha – e se cerque – a vida dos filhos de cuidados, ela é tão vulnerável quanto a de uma formiga que a gente pisa sem ver, na correria do dia a dia. Por maior que seja a proteção que a gente dê a eles, ela não vai protegê-lo de uma chicotada fortuita de um fio de alta tensão num passeio a cavalo. Vendo o sofrimento daquela família ontem à tarde eu me descontrolei um pouco. Saí de lá de fininho porque, como disse o meu marido, aquele lugar era o palco da dor daquela família, não o nosso; que a gente fosse sentir e curtir a nossa em casa.

Moro na casa em frente, meu quintal não tem muro e foi lá que a gente foi se entocar, assistindo, involuntariamente, ao vai e vem de gente por ali. A trepadeira de flor azul, que é um dos meus xodós maiores e cobre a cerca do jardim, estava desaforadamente bonita e mais cheia de flores do que nunca. O azul destas flores ontem, no entanto, parecia combinar com o clima de consternação da casa vizinha. Lembrava o sentimento de luto, e era como se a beleza delas estivesse ali para amparar a tristeza da outra casa. Senti vontade de rezar. Não as orações convencionais, mas aquelas que a gente tira da alma, como as Ave Marias clássicas. Não sou mais católica praticante nem tenho a chamada devoção pelos santos, mas acho que nunca vou deixar de associar a imagem da Virgem à imagem de uma mãe, principalmente quando está sofrendo, e foi por isso que me lembrei. O azul também me lembra dela porque foi uma das primeiras imagens que minha mãe conseguiu incutir em mim, a da Virgem Nossa Senhora com seu manto protetor azul, a mãe de Jesus e nossa mãe do Céu. Mas hoje as músicas me dizem mais disso tudo. Fui para o meu quarto e escutei cada uma das composições e tive uma vontade enorme de abraçar os meus filhos.

Meu filho, que nunca tinha tido uma perda tão próxima, estava muito abalado e de madrugada veio ao nosso quarto porque não tinha conseguido dormir. Eu me lembrei de mim mesma quando perdi um amigo, na adolescência, e só consegui liberar o choro dentro de um abraço forte do meu pai. Pedi que se deitasse do meu lado e o abracei como quando ele era criança. Fazia muitos anos que a gente não dormia assim e eu tinha me esquecido do tanto que era boa aquela sensação. Quando ele era criança e eu ia colocá-lo para dormir, para garantir que eu não sairia dali ele costumava passar uma perna por sobre a minha. Assim ele fez ontem, automaticamente. Não dormi mais, só meu filho conseguiu dormir. Eu chorei um pouquinho, pensando se existiria no mundo conforto maior do que aquele: poder amanhecer o dia com seu filho entre os braços. Pensei naquela mãe que nunca mais teria aquele momento com o filho dela e que também devia estar chorando, muito mais do que eu e um choro de tristeza, não de conforto, e tive vontade de rezar uma Ave Maria. Desta vez a tradicional, mesmo, aquela que eu aprendi com minha própria mãe, quando era criança e ela me falava da Virgem de manto azul. Senti uma vontade enorme de estar entre os braços de minha mãe, também. E rezei.

4 comentários em “Uma Ave Maria, a tristeza e o conforto de mãe em azul

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  1. Somos efêmeros, e tragédias como esta jogam na nossa cara a efemeridade da vida. E nos mostram a grande benção que é olhar para o lado e ver as pessoas que amamos.Não entendemos os desígnios de Deus, mas continuo achando (e espero que Ele não veja isto como uma blasfêmia) que nenhum pai deveria ter que enterrar um filho…

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