Segunda-feira, 31 de agosto de 2020 (e nós ainda estamos por aqui)
“Amanhã
Se devoras teus sonhos
quando se ensaiam apenas
e secamente represas
essa linguagem de flores
e teu desejo de asas
que restam subterrâneas,
quem serás tu, depois
do grande sono, amanhã?
Este lindo poeminha é da escritora/dramaturga/jornalista/poetisa (ela preferia ser chamada de poeta mas isso é maior que eu) Olga Savary, que morreu em maio deste ano, aos 87 anos, vítima de complicações da covid-19. Seu portfólio de poesia é um dos que valem a pena ser visitado por quem gosta do tema mas nem é dele que eu vou falar. Passeando por seus poemas, outro dia, li uma reportagem de uma jornalista do Rio, Beatriz Azevedo, que organiza um grupo de personalidades do meio artístico/literário para dar apoio a poetas em situação de vulnerabilidade social. Não conheço o projeto a fundo mas acho que o objetivo por si só se explica. Nessa matéria a jornalista narra o encontro que teve com Olga Savary poucos dias antes de sua morte. Relata que, ao falar com ela por telefone, ouviu que estava muito doente, e que há uma semana só comia bananas. A jornalista, juntamente com uma colega, fizeram uma visita à escritora, levando alimentos e outros gêneros de necessidade, que foram recebidos com gratidão. Apresentaram a ela o projeto e perguntaram se gostaria de fazer parte do Conselho, no qual já se encontravam outras personalidades, dentre estas ninguém menos que Chico Buarque de Hollanda. Olga adorou o projeto e, vendo as fotos dos outros conselheiros na capa do prospecto, disse que fazia questão que a foto dela que colocariam ali fosse uma em que aparecesse “jovem e bonita”, e não uma qualquer, selecionada na internet. A repórter imediatamente começou a procurar, no celular, uma foto que correspondesse ao que ela propunha, até que encontrou a que julgava ser a mais forte. Quando viu a foto escolhida a poetisa (sorry, Olga) sorriu e falou assim: “Esta é a minha foto preferida, você foi certeira! Confio em você, Beatriz, você conhece a beleza, e isso é fundamental para a poesia. É com essa imagem que quero ser lembrada”.
Olga morreu duas semanas depois desse encontro, poucos dias antes do seu aniversário de 88 anos.
O mundo parece que começa a “reabrir”. Aproveitando esta deixa, por assim dizer, neste último fim de semana, abracei minha filha pela primeira vez depois de oito meses de saudade. E, cercada pela beleza maior que eu pudesse desejar – a da natureza traduzida por montanhas verdes, canto de pássaros e noites enluaradas – eu me lembrei desse poema. Hoje, só para fechar o mês de agosto – do desgosto, como diziam os antigos – e prestes a entrar no mês de setembro – quando a boa nova andar nos campos (esta é do Beto Guedes)– quero só expressar o meu sentimento de gratidão por ainda estar por aqui, e com a maioria dos meus. Perdemos muito e perdemos muitos nesses últimos meses, já disse isso aqui antes. Pessoalmente, tive uma perda irreparável. Mas é preciso continuar. Vimos e veremos ainda muita coisa suja e feia, eu acho. E o mundo é difícil e duramente real para além das montanhas da Mantiqueira, e até no meio delas, eu creio. Ninguém vive de bananas, afinal! Como Olga Savary, muitos outros pereceram, alguns em circunstâncias que nenhuma poesia gostaria de contar. E nem seria capaz de confortar. Mas – digo mais uma vez – é preciso continuar. E se é para continuar, que continuemos procurando aquela foto bonita para assim sermos lembrados. É disso que a poesia vive, afinal. É disso que se alimentam os poetas, além de bananas. Embora seja pelas bananas que, infelizmente, os poetas morrem às vezes – que ninguém se esqueça disso!
Para terminar, só um pouquinho da poesia explícita da Serra da Mantiqueira, num lugar onde a covid-19 ainda não passou seu manto negro de dor.







Amanhã…ansiamos por ele! E que ele nos traga os sonhos…sonhos guardados, não represados! E enquanto o amanhã não vem, a Mantiqueira foi um ótimo refúgio…
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