“Que me perdoem se eu insisto neste tema”

Sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021 (e lá vamos nós mais uma vez)

Ultimamente escrever tem sido meio penoso para mim. Eu gosto de contar histórias mas, acima disso, gosto de falar de coisas boas. Falar de coisas boas na nossa cena atual, indo dormir todas as noites com a notícia de 1500 mortes diárias, só pela covid-19, tem sido uma provação extrema. Acompanhar o sofrimento de famílias amigas (e também de famílias em geral) e ver tombarem seus entes queridos, um replay do sofrimento da minha própria família. Ver a morte relativizada e também a naturalidade com que boa parte da população encara tudo isso, um desgosto tremendo, mesmo com a minha pouca fé na natureza humana. E assistir, sem ter outro canto para onde olhar, ao destroço econômico de muitas outras vidas, também tem sido uma barra daquelas pesadas. Então, diante da minha própria impotência e sem mais para o momento, eu volto às minhas flores.

Quando se fala de flores, está-se falando de cor. Para ter cor, tem que haver luz. Luz é, muitas vezes, sinal de esperança, e a cor da esperança, segundo os conceitos da minha infância, é o verde. Eu gosto de verde e de falar de flores e assim, fecho este ciclo. Pensando ou não nisso, já faz alguns anos que tenho o hábito de plantar alguma planta nova no ‘dia de ano’, como dizia minha avó. Como nunca viajo nesta época, todo primeiro de janeiro eu começo com as mãos enfiadas na terra assim que nasce o sol. Ver como se comportam aquelas plantas no decorrer do ano, acompanhar suas transformações e testemunhar o resultado final delas acaba sendo um exercício gostoso. Comparando a retrospectiva do meu ‘dia de ano’ no jardim com os fatos daquele mesmo ano, muitas vezes pensei que a vida ao longo dos anos seria bem mais simples se vivê-los fosse só essa expectativa boa de ver crescer/florescer o que você plantou. Talvez até seja, né? Quem vai querer dizer que não…

Mas plantar, na verdade, tem sido uma constante na minha vida desde que me mudei para uma casa. Eu planto o mundo no meu quintal. Um cunhado, que também é um vizinho, responde a quem perguntar por mim no fim da tarde que eu devo estar no ‘terceiro turno: do dia, que é o trabalho no jardim. Um dos meus irmãos, que tem um sonho de ser fazendeiro um dia, disse que quando tiver essa sua fazenda ele vai fazer um espaço com o meu nome, onde eu vou poder plantar o que quiser – foi um dos melhores planos que alguém fez para mim até hoje, devo dizer. Mas enquanto isso não vem eu vou inventando espaço e fazendo experiências no meu quintal. Lá eu tenho plantado de tudo. De flores do mato, arrancadas com raiz e tudo em caminhadas eventuais, por aí, a plantas exóticas ou muito delicadas, com muito esforço aclimatadas à caldeira onde eu vivo. 

No dia primeiro de janeiro deste ano da esperança de 2021, além de um grande canteiro com flores variadas, eu ousei mais e plantei bulbos de gladíolos. Também conhecido como palma-de-santa-rita ou palma holandesa, para quem não conhece, o gladíolo é uma flor exótica e linda e uma excelente flor de corte, muito elegante e muito apreciada pela durabilidade como flor ornamental. Normalmente cultivada em climas mais amenos, não é uma flor comum da minha região e por isso foi um desafio e tanto. Os bulbos eu pedi a outro irmão que mora fora para trazer para mim; as cores deles, não pude escolher. Chegaram em dezembro mas tiveram que esperar até janeiro para conhecer o gosto da terra daqui – eu nunca perco a oportunidade de utilizar meus simbolismos e mandingas pessoais. Não tinha muita certeza de que vingassem, mesmo mantendo a esperança, e foi com certa surpresa e total encanto que vi todos os bulbos brotarem na primeira semana após o plantio. Não perdi nenhum! Mas nós tivemos um janeiro bem quente, por aqui, e, apesar de não aparentarem nenhum sofrimento, duvidei um pouco que florescessem. Lá nas instruções de plantio dizia que floresceriam entre 30-40 dias, mas o tempo das flores deve ser um dos tempos de Deus, eu acho. No último domingo percebi as hastes florais brotando, e na segunda-feira, pela pontinha dos botões das flores eu já sabia que seriam gladíolos vermelhos. Na terça as flores já estavam abertas pela metade e na quarta terminaram de abrir. Na quinta, depois de um dia de muito sol, estavam escancaradas e reluzindo de tanta cor e beleza. Hoje, às vermelhas juntaram-se os botões e a promessa das amarelas. Não tenho palavras para descrever o prazer que isso me causou e o bem que isso me fez.

Na musiquinha Whatever Gets You Thru The Night, do John Lennon, tem um verso que diz que você não precisa de uma espada para cortar flores: “Don’t need a sword to cut through flowers oh no, oh no…”. É uma cançãozinha leve, otimista, totalmente cabível no nosso momento atual – este tempo cinzento e escuro, de tantas mudanças difíceis nas nossas vidas. O nome gladíolo vem do latim gladios, que quer dizer espada, e deve-se ao formato de suas folhas, compridas e fortes, lembrando realmente esta arma. E as hastes florais também podem chegar a até um metro de comprimento. Li em algum lugar que era costume oferecer estas flores aos gladiadores vencedores, na Grécia Antiga, mas confesso que não pesquisei mais a fundo para saber o que tem de verdade nisto. Nem me importa, na verdade, mas a analogia me serviu. Como na música do John, tento apenas confiar que tudo isso vai passar e que, com esta passagem, a vitória será do mundo inteiro. Saio para trabalhar todos os dias, mas sempre com o pensamento de que estamos atravessando mais um período de guerra. Penso também que nas guerras, cada um luta com as armas que tem à mão. De armas convencionais eu nada sei, mas no momento eu tenho gladíolos! Eu sei, claro, que as flores não vencem canhões, nem muito menos encerram pandemias mas, embora normalmente eu nem as corte – nem com as mãos, nem com tesouras, nem com espadas –, é com elas que eu ainda canto um velho, bom e forte refrão.

A seguir, um pouco das minhas pequenas espadas de guerra pessoais. Elas passaram, nesta semana, de expectativa a realidade conquistada. E eu só posso dizer Amém!

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