It was nine o’clock on a Saturday – uma pequena pausa para Billy Joel

Terça-feira, 26 de julho de 2022 (era para ter sido sábado)

Sábado à noite de final de julho. Um mundo de pessoas de férias, postando selfies legais de algum lugar legal, e eu em casa. No condomínio onde eu moro, fora a cantiga noturna dos grilos, silêncio quase que absoluto. Diferentemente da maioria que me cerca, julho é meu mês mais duro no trabalho. A jornada continua a mesma e o dia não aumenta suas horas, mas a quantidade de trabalho quase duplicada deixa sua pesada marca nas tendinites, sacroiliites e poliesculhambites com as quais eu tenho que conviver mais, ao longo do mês. E depois dele, também. Fora a insônia, porque o cansaço, ao invés de funcionar como facilitador, por assim dizer, do sono, em mim atua de maneira oposta: durmo metade da noite, quando muito. Julho que segue.

Eu já disse aqui algumas vezes que ficar em casa hoje em dia é um luxo. E quanto mais o tempo passa, mais eu cultuo este luxo específico. Não ter nada para fazer, obrigatoriamente, sentar no meu quintal, sozinha ou na boa companhia dos que o frequentam (aqui incluídos meus amigos passarinhos, companheiros do dia todo) não tem preço e se tivesse, seria um que valeria a pena pagar. Sábado foi um desses dias, por aqui. Num final de semana em que estamos em casa apenas eu e meu marido, à tarde recebi as boas visitas de uma prima/irmã e a de um irmão, também. Conversa boa e tranquila, num fim de tarde também bom e tranquilo. Alivia até as dores, tanto do corpo quanto da alma…

À noite, já só com meu marido novamente e ouvindo uma seleção de rock na cozinha, com dois dedinhos de vinho e mais uns tantos de prosa, achei que era hora dos versos. Pedi para ouvir Piano Man, do Billy Joel, na minha versão preferida dela, que é um dueto entre ele e Elton John, um de frente para o outro e cada um no seu piano, além da linda gaita do Billy. Piano Man by the piano men. Adoro! Comentei que acho a melodia desta canção, uma das mais bonitas do mundo. E que a letra é muito legal, também. Nos primeiros acordes, já entrando no primeiro verso, (it’s nine o’clock on the saturday…) eu me lembrei que era sábado e, de brincadeira, virei a cabeça para olhar o relógio da cozinha, atrás de mim: eram exatamente nove horas. Nós rimos da coincidência algo cósmica, e daí seguimos na viagem, trocando ideias sobre a música.

A interpretação pessoal de uma poesia ou de uma música vai da viagem que cada um faz a partir desta ou daquela, e não espero que a minha seja a melhor. Mas, é a minha e é por ela que eu sigo. O silêncio, via de regra, fala mais alto sobre a solidão do que qualquer outro som, mas Piano Man é uma das exceções que deve servir para confirmar a regra. Até a melodia passa isso, é a sensação que eu tenho. Um homem tocando piano para várias pessoas em um bar, cada uma delas vivendo ou remoendo sua própria história e contando com uma canção para acompanhá-la. Uma canção doce, já meio esquecida, sobre sabe-se lá que história, um sonho arquivado, um plano impossível, a vida linear e estéril, sem sonhos, de outros, e todo mundo por ali, segundo a letra, compartilhando a solidão para não ter que bebê-la sozinha. E o dinheiro entrando, com o homem do piano fazendo todos se esquecerem da própria vida por um breve momento. Que ideia! Que letra! E que música!

Eu me lembrei, também – e lá vamos nós de novo – que o Milton Nascimento também falava mais ou menos disso em Nos Bailes da Vida, embora sob um enfoque um pouco diferente. E concluí, no fim, que a solidão do homem do piano (ou do violão, que seja!) deve ser uma das mais clássicas do mundo. Figurar numa história que não é sua, cantando pros dramas ou pros êxtases das pessoas sem entrar, obrigatoriamente, neles, ser a voz ou o instrumento fantasma por trás da trilha sonora desses dramas e êxtases, ou até somente aquele pano de fundo agradável para um momento legal ou uma refeição boa… Ver tudo isso ‘de fora’, sem que as pessoas se importem realmente com quem está ali, porque o homem do piano é apenas o homem do piano, e ele está ali para tocar e fazer a roda da caixa registradora girar. “To forget about life for a while“, deve cantar para si o próprio o homem do piano. Se foi assim, assim será!

Mas, este foi só um exerciciozinho que não deu para terminar num final de semana tranquilo de um mês turbulento. Julho chegando ao fim e as pessoas já começam a voltar das férias, por aqui: Adeus, silêncio! E eu ainda tenho mais um resto de semana com trabalho duro pela frente. Dores e insônia por mais alguns dias depois disso, talvez. Na quinta-feira, uma tacinha ou duas de vinho, para aguentar o tranco. Às oito da noite, não às nove, porque será quinta e não sábado. Com o movimento voltando na rua, talvez a cantiga dos grilos vá se perder um pouco, e das histórias de solidão de sábado, só a gaita de Piano Man, grudando um pouco na cabeça. De resto, em boa companhia ninguém precisa dividir nem beber solidão, eu acho. Embora, com os homens do piano tocando ao fundo, dê até para se levantar um brinde a ela. Na parte em que vira poesia e depois acaba virando canção. Eu acho!

Salve, para sempre, Billy Joel!

2 comentários em “It was nine o’clock on a Saturday – uma pequena pausa para Billy Joel

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  1. “Que somos nós? Navios que passam um pelo outro na noite,
    Cada um a vida das linhas das vigias iluminadas
    E cada um sabendo do outro só que há vida lá dentro e mais nada.
    Navios que se afastam ponteados de luz na treva,
    Cada um indeciso diminuindo para cada lado do negro
    Tudo mais é a noite calada e o frio que sobe do mar”.

    Fernando Pessoa já falava sobre isto! Esqueceu de dizer que em cada navio desses havia, na proa, sozinho, um Piano Man!
    Bela Crônica! Ah, e coincidências não existem…

    Curtido por 1 pessoa

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