Segunda-feira, 31 de outubro de 2022 (dia das bruxas de todos nós)

Então foi isso, a eleição acabou. Mais uma dança das cadeiras, mais uma mudança de direção. O experimento da direita foi curto, dependendo do referencial adotado. O da esquerda, que nem experimento é mais, e longo se fez para nós, em outros tempos, retornará agora. De nenhum dos dois eu saberia direito o que esperar. Dos debates entre os dois canditados, durante a campanha, ficavam para mim apenas os versos do chato do Humberto Gessinger, tocando no balãozinho: Fidel e Pinochet tirando sarro de você que não pode fazer nada. E eles não me diziam nada! Mas, como eu disse para um amigo, a cada 4 anos, quem quer que suba aquela rampa lá de Brasília tem a minha torcida, independentemente de ter a minha aprovação. E a minha esperança, também, que nem de caduca morre…
Hoje eu recebi uma ligação de uma amiga que mora no exterior. Além dos relatos sobre a repercussão internacional da eleição do Lula, vista de lá de fora, nós falamos a respeito de milagres religiosos, santos e fé. Sem relação nenhuma com política, digo antes de mais nada, para evitar polêmicas (Deus deve ter se divertido muito com o Brasil nos últimos tempos, eu acho). Nessa conversa ela me relatou uma experiência pessoal que atribuiu, se não a um milagre, a uma Graça recebida num momento preciso. De um santo que não existe. Ou pelo menos não existe nos moldes que a Igreja Católica utiliza para assim classificá-los (não sei se é essa a palavra). Eu estava no final do expediente e não pude falar muito na hora, mas subi naquele meu barquinho à deriva, mais uma vez, e divaguei um pouco sobre isso.
Minha amiga teve uma criação e uma educação católica, mas hoje é budista. Eu tive a mesma educação e a mesma criação que ela e hoje não me atrelo a nenhuma religião ou doutrina para justificar a minha fé. Então, nenhuma de nós duas deveria ter nem cogitado essa aventura de avaliar um milagre. Eu comecei a dizer isso para ela, mas antes que eu começasse a dizer mais, minha mente atropelou minhas primeiras palavras e seguiu seu curso próprio. Eu perguntei a ela se já tinha lido O Advogado do Diabo, do Morris West, que eu mesma li muito tempo atrás. Como ela não leu, fiz um breve resumo dele para ela. O romance conta a história de um padre, um típico burocrata empedernido, do Vaticano, que é enviado a uma comunidade pobre, na Itália, para fazer a investigação para a possível canonização de um mártir daquele local. Uma espécie de culto a ele já existe na localidade e a função do padre é desmascarar uma possível fraude – esta é a função do advogado do diabo nos processos de canonização. Este padre, retirado do fundo de uma biblioteca empoeirada do Vaticano, tem um câncer avançado e não tem muito tempo de vida pela frente, e reluta em aceitar a tarefa. Mas depois é convencido, pelo seu superior, a realizá-la, até como uma forma de respirar melhores ares. A história é longa e já faz muito tempo que eu a li, então, mesmo que quisesse, não conseguiria colocar aqui todos os detalhes, mas algumas passagens marcantes ficaram dela. Ao chegar na comunidade, que o recebe com total desconfiança e reticência, o padre vai se envolvendo pouco a pouco no universo do jovem ‘santo’, na vida da comunidade, bem como nos segredos e nos sofrimentos daquela gente simples e pobre. Entre o que está à vista e o que lhe é escondido, à medida que se aprofunda na história local, é na sua própria que ele acaba se enredando. A ‘viagem’ que ele faz para questionar sua própria fé e a transformação que se opera nele, no decorrer da investigação, são sentidas pelo leitor, muito mais do que narradas, num dos melhores momentos literários do Morris West, na minha opinião. No final do livro, num emocionante relato escrito ao seu superior ele conclui a investigação fazendo entender que, na sua opinião, o jovem santo obrou milagres naquela comunidade, sim, embora seus milagres talvez não coubessem nos moldes que a Igreja Católica utiliza para reconhecê-los. Também o superior tem certa dificuldade em reconhecer, naquele relato, o padre de natureza seca e protocolar que enviou para aquela missão. Não vou contar todo o final porque alguém que ler isso pode se aventurar a ler o livro algum dia. E eu não tenho mais este romance aqui em casa e nem anotei nada dele, infelizmente. Mas foi a melhor ilustração literária do significado de milagre, para mim. Talvez eu o leia novamente um dia, só por este motivo.
Na conversa com minha amiga, eu contei também uma anedota velha, sobre o tema: Um velho monge conta sobre sua conversão a algumas pessoas. Diz que antes de entrar para a vida ascetica, era um marinheiro da marinha mercante e vivia uma vida desregrada, entre drogas, bebidas, jogatinas e tudo o mais que não prestasse no mundo. Até que um dia, numa cidade onde seu navio atracou, ele caiu na bebedeira até desmaiar. Quando acordou, estava sozinho no meio de uma rua e ao olhar para cima, viu um Jesus Cristo enorme, de braços abertos, por entre as nuvens, e tomou aquilo como um sinal para mudar de vida. Um dos ouvintes perguntou para ele em que país acontecera o fato e ao saber que tinha sido no Brasil, o interlocutor disse a ele que o que ele tinha visto, então, não era nenhuma visão milagrosa, mas, sim, a estátua do Cristo Redentor, na cidade do Rio de Janeiro. O monge ficou em silêncio durante um longo tempo, para depois falar: 40 anos de renúncia de uma vida mundana por causa de uma estátua de concreto… Quer saber do que mais? Foi milagre, mesmo!
Lembrando que ao dia das bruxas segue-se o Dia de Todos os Santos, vamos tocando em frente, enxergando e reconhecendo os nossos milagres próximos.
E que a fé não nos falte nunca! Amém!
Bela crônica! Os milagres somos nós quem fizemos, dia após dia…
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Esse é o mote.
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