Novembro e o tempo que passa

Quarta-feira, 30 de novembro de 2022 (em ritmo de Copa do Mundo #sqn)

Eu sempre gostei de pensar, ler e falar sobre o tempo. É um tema fascinante, inesgotável e sempre atual, se você gosta de encarar o abstrato da vida e carregar “água na peneira” mundo afora. Eu comprei minha peneira quando ainda era criança e a carrego por aí desde então. Mas, existe uma perspectiva do tempo que só de uns tempos para cá é que eu tenho começado, forçosamente, a reparar nela: a percepção do meu tempo pelo tempo dos outros. Não sei se vou conseguir colocar isso em palavras, mas exemplos podem ajudar na compreensão.

Flores de flamboyant no final da primavera (arquivo pessoal)

No primeiro semestre desse ano, fui fazer um curso em Holambra, “cidade das flores” e meu marido me acompanhou. A cidade é bonitinha e agradável durante o dia, mas, de noite morre. O curso era de quarta à sexta, e depois de uma noite de quinta não muito animada, tentando abstrair um sertanejo universitário ao vivo (sem ofensa, apenas preferência) num bar mais de nativos do que de turistas, saímos à caça de um lugar menos deprê (idem, aqui) na sexta. Sem muitas alternativas ou grandes expectativas, optamos por um bar/restaurante que parecia mais animado, onde uma banda (sabe-se lá de quê, pensamos) passava o som para mais tarde. Já tínhamos reparado na semelhança do vocalista da banda com o Dinho Ouro Preto, do Capital Inicial, mas nem assim botamos muita fé e, na dúvida, pedimos logo a comida. Se tudo falhasse ainda ia ficar a piada sobre o Dinho, para contar a história depois. Só que acabou sendo um engano bom! A banda era excelente e durante uma apresentação de mais de duas horas eles tocaram a playlist mais representativa do rock dos anos 80 que escutamos desde os próprios anos 80. Todos eram bons (o baterista, excepcional), e eles tocaram de tudo: IRA!, Plebe Rude, Paralamas, Legião, Capital Inicial, Kiko Zambianchi, Engenheiro do Hawaii, Kid Abelha, Barão Vermelho, Bikini Cavadão, Léo Jaime, Camisa de Vênus… uma música de cada banda, salvas algumas exceções. Dando uma olhada em torno, no bar lotado, fora um sujeito visivelmente desconfortável (o bar dele seria o da noite anterior, eu acho) na mesa ao lado, achei que eu e meu marido éramos os mais velhos dali. E acho que os únicos caretas que estavam jantando, ali. E ali eu vi o tempo. Mas nós vibramos tanto que o vocalista de vez em quando passava pela nossa mesa para que cantássemos juntos. Foi uma noite muito legal! E talvez o Dinho tenha pensado em nós como uns ‘coroas’ legais. Saímos quando tocavam as últimas músicas e eu voltei para o hotel com a sensação de ‘juventude renovada’. E este não é um termo, apenas a tradução de um sentimento – nota sobre os meus vícios de estrada. Pensei também em quando foi que eu deixei de ter dezessete anos. Perguntei isso pro meu marido, no outro dia, e ele me deu a resposta que eu tinha esquecido: ontem. 

Mas, tudo passa e o tempo também. E a maior prova disso, neste ano, foi a morte da Rainha Elizabeth II. Quando ela morreu eu tive um tipo de momento de orfandade. Uma sensação que não era de tristeza; estava muito mais para um desconforto, mesmo. Ela era um daqueles pilares que sempre estiveram por aqui. Ela era uma ela era uma rainha e eu, uma menininha apegada aos contos de fada, antes que a vida virasse pra valer. Dos recortes de revista da minha infância à enorme quantidade de memes que me divertiam quase diariamente, era muito mais presente no meu dia a dia do que alguns dos meus amigos, talvez. E era diversão para estes, também. Aí ela morreu e eu entendi que a imortalidade não existe. Eu me lembrei da idade dela e pensei na minha. E aí eu enxerguei novamente o tempo. E fiquei um pouco de luto por mim, também.

E aí veio esse novembro trevoso. Só na parte da música que me toca, em intervalo de dias foram-se embora Gal Costa, Rolando Boldrin e Erasmo Carlos. Nenhum deles era jovem, na flor da idade ou com uma vida toda pela frente, é verdade. Mas eles eram de tal forma arraigados às minhas memórias mais antigas que é como se ainda fossem jovens. Eu nunca fui uma grande fã da Gal Costa, mas reconheço, com reverência, sua importância na MPB. E ninguém cantou Baby como ela. Nem Negro Amor. Erasmo Carlos era o amigo de fé de todos os brasileiros, eu acho. Um vascaíno gente boa com quem eu poderia ter batido altos papos, se tivesse tido oportunidade, gosto de pensar. Suas composições, principalmente as que fez com Roberto Carlos, estão entre as que nunca saíram da minha seleção musical. 

E o Boldrin, esse teve lugar especial nas minhas manhãs de domingo, no tempo que elas começavam com o Globo Rural, continuavam com o Som Brasil e terminavam, eventualmente, com uma corrida de fórmula 1. Seus causos e canções populares ajudaram a sedimentar meu gosto pelas duas coisas. Foi a morte que lamentei mais.

Não eram ídolos pessoais, no verdadeiro sentido da palavra, mas todos eles eram personalidades das quais me lembro desde a minha mais tenra idade. Da minha flor da idade, por assim dizer. Mas eles eram velhos, por mais jovem que eu os quisesse ver. E a ‘juventude’ deles era só um reflexo da minha, na verdade. Que também ainda resiste apenas nos meus bons pensamentos. Lentes progressivas para ver o tempo, no inverno.

— E aí eu puxo lá do Pequeno Príncipe (mas nunca fui Miss) que todos que passam na nossa vida deixam de si e levam de nós. Às vezes muito, às vezes pouco… Seja como for, parece que em cada história que se acaba, um tantinho de nós vai diminuindo, também. E eu fico pensando se não será por isso que os velhos são tão mirradinhos, às vezes. Ou, assim diria a menininha dos contos de fadas.

“A vida é o fio do tempo”, diz a linda letra do Dori Caymmi. Do abstrato conceito de tempo, fica a certeza concreta da morte, o “fim do novelo”. Da vida desenrolando o tempo, fica a lição e a lembrança do Pablo Milanés, outro que se foi em novembro: “Quem lhe disse que eu era / Riso sempre e nunca pranto?/ Como se fosse a primavera/ Não sou tanto

The winter is coming …

3 comentários em “Novembro e o tempo que passa

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